Ou aquela história que faz mais de um ano
Não fossem os danos
Não seria eu.”
Dia desses me disseram que só é possível mensurar
se algo é bom ou ruim pelas consequências que ela traz, e eu que já reclamei
tanto da minha vida me vejo tendo que aprender a engolir as reclamações e agradecer
as pesadas malas de memórias que carrego e mais do que isso, ter amor pelos
meus danos e cicatrizes: sem eles eu não seria eu.
Ou se eu menino fosse mais amado
Se não desse errado
Não seria eu.”
Como é que a gente aprende a amar caminhos
tortos? Vida que é toda errada? Essa teoria toda de agradecer sempre, até pelo
ruim, como é que pratica? Tem fórmula? Chega mesmo esse momento na vida que
alcançamos esse nível de sabedoria e compreensão de entender e agradecer pois se
não desse tudo errado, "eu não seria eu"?
Não quero ser chato
Mas vou ser honesto
Eu não sei o que você tem contra mim
Você pode tentar por horas me deixar culpado
Mas vai dar errado
Já que foi o resto da vida inteira que me fez assim.”
A vida é isso
meu bem, a vida é isso: esperar e desesperar, ou não esperar coisa alguma, mas
a vida é isso: em algum tempo decepcionar em outro decepcionar-se, ter alguém com
algo contra, S-E-M-P-R-E, por melhor que sejam suas intenções.
Já tive a
sensação nada agradável de carregar culpas que não era minhas, já carreguei
pessoas que me doeram em tempo integral, duzentos baldes de lágrimas, três
meses de cara inchada e deu tudo errado, a vida me fez pra feliz.
E não fosse a dor
E essa mania de lembrar de tudo feito um gravador
Se não fosse Deus
Bancando o escritor”
E essa natureza teimosa de aceitar a dor, mas
nunca o sofrimento? Essa natureza burra, de além de sentir visceralmente a
minha dor, acatar a dor alheia e guardar, não por escolha, mas por ter essa
memória de gravador, as cores, os cheiros, os sons, as sensações, tudo por ad eternun. Sem tudo isso, eu seria eu?
“Se não fosse o mickey e as terças feiras e os ursos pandas e o andar de cima da
Primeira casa em que eu morei e dava pra chegar no morro só pela varanda se
Não fosse a fome e essas crianças e esse cachorro e o Sancho Pança se não fosse o
Koni e o Capitão Gancho
Não seria eu.”
Se não fosse meu amor pelas coisas que ninguém mais
amaria, os significados nas coisas mais insignificantes, uma dor no coração
porque um parque está abandonado e porque não tem mais meu refresco favorito no
único café que eu realmente acredito que valha a pena frequentar, ou uma mania
idiota de todos os dias olhar a capela mortuária pra ver se alguém morreu e
rezar pela alma dessa pessoa que eu nem conheci, ou a minha mania fútil de mensalmente
comprar sapatos pela internet, se não fosse meu pai que morreu quando eu tinha
cinco anos, se não fosse a história da vizinha do cinco que outro dia me trouxe
um bolo delicioso apesar de todos seus problemas, se não fosse a moça problemática
que me fez tanto mal, e se não fosse a
dor, não, eu não seria eu.
Brincando de interpretar a música Capitão
Gancho da Clarisse Falcão que você pode ouvir aqui
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