as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.
Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.
Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.
Do sonho de eterno fica esse gozo acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.
Drummond - A hora do cansaço
Parece-me
que a hora do cansaço sempre chega, e todas as vezes que ela me alcançou foi
cruel e teve gosto de ranço, e mais do que isso: algumas vezes veio acompanhada
de cortes, sangue e vísceras expostas, tudo muito dolorido e assustador.
Disseram-me
que um dia eu aprenderei que tudo que tem começo, tem meio e fim. O que ninguém
consegue entender é que na minha cabeça confusa, algumas coisas existem antes
de acontecer e outras coisas acabam, mas não terminam, e então os sofrimentos
da hora do cansaço quando aparecem por aqui são constantes e prolongados.
Mas
aquilo que precede a hora do cansaço, ah disso não posso reclamar, porque é
sempre muito doce e encorajador, faz-me fechar os olhos e me atirar com
eles bem fechados em histórias que talvez sejam apenas grandes aventuras
suicidas. É dessa maneira que me entrego ao hoje, como se nada houvesse
além dele.
Dizem-me
sem parar: "isso é maluquice, ponha-se em seu lugar, isso não há razão de
ser" e eu acho é bonito que algo exista sem razão nenhuma, apenas porque
se quer que ela exista, porque assim se deseja.
É
o avesso da hora do cansaço, é a hora do descanso, aquele momento em que as
paranóias são presas na gaiola interior e a gente abre os braços o coração e a
alma aquilo que vem, e vive, apenas e simplesmente isso: se liberta e vive.
A
hora do descanso é linda pois a gente enfrenta o medo e torna maior que ele,
aquilo que se tem vontade e curiosidade, a gente escolhe o caminho que não tem
placa nenhuma, vai tateando às cegas, porque não quer acender a luz, embora o
interruptor esteja ao alcance das mãos. Pouca coisa tem importância, a gente
quer e se permite.
São
normalmente nas horas de descanso que a gente constrói tempos únicos, que podem
se acabar a qualquer momento, que podem a qualquer instante se transformar em
horas de cansaço, mas que nunca deixarão de ter, um dia, retratado coisas muito
simples, coisas bonitas, riso fácil e verdadeiro, inteireza, identificação,
alegria pura, coisas boas além do que merecemos, até chegar a hora do
cansaço.
De
todas as horas, das horas de canseiras e descansos, o tempo nos pôs juntos e fez com que fossemos nós, disso, nos resta apenas o amor
que um dá, o outro recebe e vice-versa, isso é muito, é pra vida inteira, é
talvez (entre todas as coisas) o que nos baste.